"Não podia chorar por ele, não tinha sentido chorar por alguém que mal se conhecia, alguém simpático e cortês, e talvez um pouco apaixonado, e em todo caso bastante homem para não suportar a humilhação daquela viagem, mas não era ninguém para ela, apenas umas horas de conversa, uma aproximação virtual, uma simples possibilidade de aproximação, uma mão firme e carinhosa sobre a sua, um beijo na testa de Jorge, uma grande confiança, uma xícara de café bem quente. A vida era essa operação lenta demais, silenciosa demais para mostrar-se em toda a sua profundidade, teria sido necessário acontecerem muitas coisas, ou não acontecerem, e que isso fosse o que acontecia, teriam tido de encontrar-se pouco a pouco, com fugas e recuos e mal-entendidos e reconciliações, em todos os planos que ela e Gabriel se assemelhavam e se necessitavam. Olhando-o com alguma coisa que incluía despeito e recriminação, pensou que ele havia precisado dela, e que era uma traição e uma covardia sair assim, abandonar-se a si mesmo na hora do encontro. Repreendeu-o, inclinando-se sobre ele sem temor e sem pena, negou-lhe o direito de morrer antes de estar vivo nela, de começar realmente a viver nela.
(...) Nem ele nem ela teriam jamais sabido que precisava do outro, assim como duas cifras não conhecem o número que compõem, de sua dupla incerteza teria crescido uma força capaz de transformar tudo, de encharcar-lhes a vida de mares de corridas, de aventuras inauditas, de descansos com mel, de bobagens e catástrofes, até um final mais merecido, até uma morte menos mesquinha. O abandoná-la antes do encontro era infinitamente mais torpe e mais sórdido do que o abandonar suas amantes do passado. (...) Tinham-no matado como a um cão, decidindo por ele, acabando com sua vida sem que sequer tivesse podido aceitar ou negar. E o fato de não ser culpado era, assim, perante ela, a pior, a mais insanável desculpa. Alheio, entregue a outras vontades, grotesco alvo para a pontaria de qualquer um, sua traição era como o inferno, uma ausência eternamente presente, uma carência enchendo o coração e os sentidos, um infinito vazio no qual ela cairia com todo o peso de sua vida. Agora, sim, podia chorar, mas não por ele, chorava por seu sacrifício inútil, por sua tranquila e cega bondade, que o haviam levado ao desastre, pelo que tratara de fazer e talvez tivesse feito para salvar Jorge, mas por trás desse pranto, quando o pranto cessasse como todos os prantos, veria elevar outra vez a negativa, a fuga, a imagem de um amigo de dois dias que não teria forças para ser seu morto a vida inteira. "Perdão por dizer-lhe tudo isso", pensou desesperada, "mas você estava começando a ser coisa minha, já entrava por minha porta com um passo que eu conhecia de longe. Agora serei eu quem foge, quem perde muito breve o pouco que possuía de seu rosto, e de sua voz e de sua confiança. Você me traiu de repente, eternamente; coitada de mim, que aperfeiçoarei diariamente minha traição, perdendo aos poucos, cada vez mais, até que não seja nem sequer uma fotografia, até que Jorge não se lembre de você, até que Léon outra vez entre em meu espírito como um turbilhão de folhas secas, e eu dance com seu fantasma e não me importe"."
(Trecho do livro "Os Prêmios" - Júlio Cortázar)
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